quarta-feira, 6 de junho de 2007

Ready, Set..... Go!

Decidi começar com um texto de alguém que representa o verdadeiro Socialismo cuja sensibilidade não consigo encontrar nos dias de hoje. Sob a égide ENSAIO, apareceu na revista VISÃO do dia 21/06/2001, escrito pela mão de um dos melhores Ministros das Finanças que tivemos nos últimos 30 anos: Sousa Franco.

«A Europa, nosso jardim»

Ligeiramente mais pobres do que os ricos, temos como grande tema o telelixo e como grande desígnio o Euro 2004 de futebol.

Tal como é difícil acharmos bela uma cidade que vemos com frio, chuva e nevoeiro - Veneza é das poucas que escapam a este juízo - custa reflectir sobre o futuro quando o presente dói. As notícias são más. Bush e a recessão nos Estados Unidos, a Europa atolada na vulgaridade sórdida e imediatista, o Mundo a criar menos riqueza e a reforçar a má globalização (a do crime e das desigualdades crescentes) em vez da boa (a da solidariedade e dos valores). Instala-se, em quem tem, como nós, o privilégio de viver nas partes ricas, um vago spleen, receosos dos efeitos de uma bomba em Israel ou de um incidente nos Mares da China - enquanto agredimos o ambiente, progridem a pobreza, a SIDA e a droga, estragamos o legado dos nossos avós sob o sorriso e os cifrões da potência global e dos mercados omnipotentes. Como sempre: Deus ou o dinheiro.
Hoje sabe-se quem manda. É claro que há mais liberdade e respeito pelos direitos humanos, apesar dos Estados Unidos e da China matarem judicialmente mais do que nunca e de se multiplicarem sangrentas guerras locais. É claro que o sentido religioso e o sentido ético progridem no Mundo, e com ele o ecumenismo global do actual Papa, que tanto marcou a História, apesar disso se não sentir na decadência aprazível desta Europa cada vez menos relevante. Quanto mais se tenta menosprezar a História, substituindo-a pelas construções artificiais - de Versalhes até às revoluções pacíficas da década de 80 -, mais ela se vinga e vem à tona, ou se repete no incessante rodar dos corsi e ricorsi.
Se o mundo possibilita aos privilegiados o horizonte lunático do carpe diem horaciano, Portugal não é melhor nem pior do que os outros nesta rua europeia onde moramos no vasto mundo. E enquanto o estragamos para os nossos netos, vemos, distraídos, nos Telejornais - entre assaltos, sexo e droga - aqui bem perto, na África, multidões de famintos, doentes moribundos, que nascem com a esperança de viverem 30 e poucos anos, ou, também aqui perto, na Europa Central e Oriental, escravos das máfias da droga.

Ligeiramente mais pobres que os ricos, a caminhar - em nome da liberdade! - para o auge da civilização da morte e do vazio, temos como grande tema o telelixo, e como grande desígnio o Euro 2004 de futebol (claramente - e ainda bem! - um dos nossos nichos de existência). Isto está de tal forma que não é necessário outro terramoto de Lisboa para que a primeira versão do mito do progresso - o optimismo de Leibniz - seja facilmente batida pela sensata conclusão do dr. Pangloss: "Cultivemos o nosso jardim".
Talvez, da simples verificação inicial de uma das Éticas de Aristóteles, resulte a reconstrução de uma civilização - "Todo o ser humano aspira à felicidade". Do jardim - mais de Voltaire que de Epicuro - desse jardim que é a consciência e a vida, talvez transcendemos mais a crise do enorme vazio europeu do que com os discursos ocos, os sistemas falsos, os poderes corruptos, os valores perdidos, o vazio da Europa que temos. Vazio ensurdecedor neste Portugal sem rumo, que lá irá andando aos trambolhões. Mas avançará, se cultivarmos os nossos jardins - até o jardim nacional - o melhor que pudermos. Depois de bater no fundo, gerar-se-ão novas esperanças e novos projectos, outro ciclo virá. Até lá, insisto, cultivemos o nosso jardim, atiremos pedradas fortes aos cães raivosos que ladram mais nestes tempos de crise - e avancemos. Há sempre outro tempo para a confiança, que desertou e parece tardar. Mas virá algum dia.

Viremos as costas ao que não presta. Há muito por fazer, mas tudo se estraga neste clima. Todavia, cautela, porque os vícios são enganadores, construtores e destruidores. Tivemos, colectivamente, desafios a que fomos respondendo, aqui bem, ali mal - a democracia instável, um certo desenvolvimento económico (hoje, outra vez parado, porque em 1998 caímos outra vez, após o Euro, nas "delícias de Cápua", e ainda de lá não saímos), a reconstrução do Mundo de língua portuguesa sobre escombros sangrentos, a entrada na Europa com sucesso, só excedido pela Irlanda, a entrada no Euro que nos deu um estatuto de país mais desenvolvido do que somos, a independência de Timor-Leste.
Hoje, além do trivial - porque o tempo das reformas já foi: ou se fizeram ou não - e da mediocridade, está aí um único desafio histórico. E não espera por nós. É o da Nova Europa. É um debate vital, que não aguardará o novo ciclo de confiança nacional, que pode demorar. E decidir-se-á nestes tempos próximos: connosco ou contra nós. Que a maioria, ao voltar as costas à insuportável politiquice e à vulgaridade do espaço, não esqueça: a Europa também é o nosso jardim.

Com umas pequenas alterações, isto está mais do que actual. Temos o telelixo em formato reality show, temos um país desanimado e sem esperança, e a Selecção lá nos vai animando. Somos cada vez mais pobres mas os índices económicos dão-nos como cada vez mais ricos. Por isso, temos que distinguir os homens com visão e os políticos que infestam a nossa praça. Todos, sem excepção, se regem pelas mesmas regras. Assim sendo, temos duas soluções: continuarmo-nos a sentir umas poias ou tentar cultivar o nosso jardim. Eu já reguei as minhas plantas...

... e entretanto, bom dia!

1 comentário:

kanjas disse...

Para além de ter dado um nó no cérebro, acho que está escrito de uma maneira muito peculiar...

Venham de lá mais uns quantos como este. Bem... como este não, que foi muito grande ;)